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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O celular

         O CELULAR
   Autor: Edson Ribeiro da Silva
               (13/04/2011)
Tom: E                  Intro.:  E  C#m   F#m   B7   G#m   C#m   F#m   B7   E

E                             A                             E
Meu telefone só toca em hora imprópria
E                   C#7                           F#m
Fico sem saber como fazê-lo parar
                                                 B7
Se estou fazendo amor ele toca
                                                                    E
Se estou dirigindo apressado / ele dispara
               F#m               A                G#m       F#m      B7          E
É o que dá / ter esse tal de celular........ só pra me chatear

E                A                  E                       A       F#m
Se estou em local impróprio nem é bom falar
                                             F#m
Desligar o celular eu não posso
                                       B7                     E
Se não atendo / a mulher vai me culpar
                 F#m                                              B7
Se eu desligar vai dizer que foi de propósito
                          A                  F#m      B7          E
Pra ela não saber em que lugar devo estar

C#m                 F#m         B7                  E
Não posso deixar o celular descarregar
C#m                 F#m         B7                  E                        
Pra não apanhar quando chegar em casa
        F#m              B7                G#m    F#m      A                 E
Isto foi adredemente preparado /é o que vou ouvir falar
                          A              B7               G#m  A  B7   G#m
O cabo de vassoura e o rolo de pastel vão cantar
                 C#m              F#m     B7        E
Vou recebê-los pelas costas pra variar

C#m                 F#m                                   B7                  E
Esta é a vida de casado que eu muito desejei conquistar
             C#m                 F#m         B7                  E           
Vou seguindo meu destino devagar e sempre
        F#m              B7                G#m    
Numa estrada desta vida devo estar
                          A              B7               G#m 
Vou trilhando meu caminho meu amiguinho
                 C#m              F#m     B7        E
Cumprindo minha sina vou dizendo: deixa estar

Minha turma.

MINHA TURMA
Veríssimo (Escritor)
(Publicado no jornal A TARDE de domingo, 26/02/2012)

Agora que o sangue serenou e todas as garrafas que lancei ao mar com mensagens ao desconhecido voltaram sem resposta, ou com o texto corrigido, agora que nem o eco responde aos meus gritos no precipício, ou responde mas, com o tom enfarado de quem não agüenta mais repetir sempre a mesma coisa,  sempre a mesma coisa, sempre a mesma coisa.

Agora que descobri que nenhum dos meus gurus tinha a resposta certa e um até confessou que nem ouvia as minhas perguntas e só fazia sim com a cabeça por boa educação, o que explica ele ter respondido sim quando eu perguntei se deveria seguir o BhagavadGita, o Kama Sutra, o Capital ou uma combinação dos três.

Agora que já não se distingue a voz de uma secretária de outra no telefone, pois todas são eletrônicas e iguais, e da última vez que implorei por um contato humano, alguma coisa viva – uma hesitação, um erro de concordância, um resfriado, até, em último caso, uma reação irritada – a voz disse “para reação irritada, digite 4”.

Agora que eu não quero mais respostas, agora que eu desisti, vem você me dizer que eu não estou sozinho, que há outros como eu, que já não esperam mais nada salvo a resignação dos mortos num bom sofá com controle remoto e talvez pipoca, que abominam a despersonalização, principalmente das pessoas, a pulverização de todas as certezas, o espargimento de todas as dúvidas, a eterização de todas as coisas – e que eles têm um site na internet!

Mas acho que você me deu o endereço errado pois, na minha caça desesperada a ávidos de resignação e burrice programada como eu, já dei num site que ensina a fazer bombas caseiras, outro de quem tara por Matildes, outro de um homem que propõe a troca de fotografias do seu bigode ridículo com as de bigodes ridículos de todo o mundo com a possibilidade de casamento e, veja você, um de alguém que propôs comprar vários dos meus órgãos para comer. Não que eu fosse aceitar, sou muito apegado a todos os meus órgãos apesar do que alguns têm me feito passar, mas só por curiosidade perguntei como ele prepararia, por exemplo, meu fígado e, num rasgo de sentimentalismo, sugeri que o servisse acompanhado de um Sauterne de boa safra.

Assustador

Talvez seja esta a autoindulgência que nos reste, no momento do nosso desencanto, antes do último sofá. O tal cara que estava a fim das minhas tripas à moda de Caen não respondeu mas, descobri que eu tinha entrado num fascinante mundo doente, ao entrar na internet atrás da minha turma. Quando tudo se volatiliza e vira impulso pelo ar o que sobra é isso, o ser humano reduzido às suas fome e às suas esquisitices primevas, livre de qualquer controle ou compunção. A cara mais terrível da liberdade: cara nenhuma, ou apenas a cara que se quiser mostrar na net.

Terroristas, fetichistas e canibais são – ou espero que sejam – minorias entre os habitantes deste mundo. Mas, sei não. Há algo de assustador nessa variedade de prospecções predatórias, de buscas globais por afinidades estranhas, só esperando o toque numa tecla de computador para entrar na nossa casa e na nossa vida. Sei lá se eu não tenho alguma obsessão secreta (pés de noviças, por exemplo) só esperando um correspondente para se manifestar. Desisti de localizar meus similares na internet, os revoltados até com a revolta, começando por secretarias com voz de máquina, quando me dei conta que a primeira condição para ser mesmo da minha turma seria não freqüentar a internet.